quinta-feira, 13 de maio de 2010

O deserto

Sou o deserto.

E neste deserto há uma montanha íngreme e firme, e é preciso saber os caminhos para não se machucar com as pedras no chão quente e sinuoso.

E nesta montanha há uma caverna de mistérios frios onde os pensamentos se amontoam como gotas d'água formando estalactites de sonhos bons e sombrios no teto, e é preciso coragem para entrar, conhecer seus detalhes e saber apreciar.

E nesta caverna há uma tocha com o fogo oscilante, imprevisível, aceso desde o início dos tempos, ora intenso como em um vulcão, ora calmo como em uma vela, mas nunca se apaga, e que conforta e alimenta os instintos ancestrais de sobrevivência e de idéias.

E neste fogo há um leão forte e ágil, pronto para atacar ao mínimo sinal de perigo, encoleirado com correntes de ferro e consciência, estático, obediente, aguardando o comando de seu dono.

E neste leão há um homem maduro e sereno, que maneja o fogo e comanda os instintos do leão, que conhece os caminhos da caverna e do deserto, mas prefere o silêncio de seu isolamento ao convívio desapontador com outros iguais desiguais.

E neste homem há um menino curioso e irresponsável, com a sabedoria da falta de malícia genuína e da ambiguidade juvenil feita de inocência e pequenas maldades em cada um dos passos que dá aprendendo a caminhar sozinho, que se encanta com os detalhes e novidades e confia na existência do lado bom das pessoas.

O menino que precisa de ajuda para renovar a esperança do homem que contém os impulsos do leão que evita se machucar nas chamas do fogo que ainda se mantém aceso iluminando as paredes e sombras da caverna cuja entrada ainda é visível na montanha que se ergue até as nuvens mas que traz em sua base os detalhes mais fascinantes de sua existência neste deserto, que um dia já foi mar.

domingo, 19 de julho de 2009

Aroma noturno

Acordou de madrugada sentindo o leve aroma adocicado do cabelo dela em suas narinas.
Cada fio acariciando sua face era um convite ao pecado, e a essência da soma destes fios era o que precisava para recuperar seu sono e revigorar seu fôlego.
Lembrava da noite anterior, exaustiva e excitante...
Cada gesto, cada palavra, cada olhar, cada mordida, cada lambida...
Cada vez que sentia o toque dela em seu corpo, o coração acelerava.
Em cada gozo pensou que infartaria.
Em cada gota de suor tinha a certeza que repetiria essa tortura deliciosa sempre que ela quisesse.
Em cada segundo de silêncio, agora, ouvindo apenas sua respiração e sentindo o cheiro de seus cabelos, vislumbrava uma história a dois.
Não haviam garantias de que durariam juntos, mas ele sentiu uma vontade indescritível de fazer seu máximo para dar certo.
Sentiu sono de novo e, se ajeitando na cama, num movimento suave tocou sem querer as costas dela.
Ela se virou, felina, voltando o rosto para ele, ainda adormecida.
Era possível sentir o beijo da respiração um do outro, tão perto que seus rostos estavam.
Não resistiu à proximidade e tocou devagar os lábios dela com os seus.
Ao recuar a cabeça para seu travesseiro, percebeu um leve sorriso se formar no rosto dela.
Registrou esse momento num canto de sua memória onde permaneceria intacto para sempre.
Diante daquele sorriso leve e espontâneo, seus olhos se fecharam sem pressa até que ele, enfim, adormeceu novamente.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Eu quero te roubar pra mim

Eu quero te roubar pra mim
Sentir sua alegria pulsante de vida
Transformar meu deserto em jardim
E seu coração em minha rosa preferida

Quero cometer o crime mais puro
Sequestrar seu beijo, guardar num cofre forte
Ser teu navegante, seu porto seguro
Te guiar e ser guiado, ser teu sul e você meu norte

Eu quero te roubar pra mim
Ontem, hoje, amanhã, indefinidamente
Te incentivar, tornar a vida mais leve enfim
Te ver sorrir e sentir essa plenitude diariamente

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Conto - Incondicionalmente

Poucos dias após ficarmos noivos, Isabel me disse: "Haja o que houver, estou do seu lado. Incondicionalmente."
E esteve, dia e noite, sol e chuva, inverno e verão, do meu lado.
Quando perdi o emprego, estava lá me apoiando, incentivando, fazendo o possível para levantar minha auto-estima e me ajudar na procura por outro trabalho, que até demorei a conseguir.
Quando meu pai morreu, ela estava lá me confortando, secando minhas lágrimas e fornecendo o amor generoso que eu tanto precisava.
Quando precisei operar o pulmão, estava firme ao meu lado durante todo o tratamento, não só no hospital onde passou tantas noites velando meu sono, mas também após a operação, me recuperando em casa, ela sempre me deu sua companhia e paciência.
Até mesmo quando eu briguei com meu cunhado, irmão dela, que tentou me trapacear em um negócio, até nesse momento quando ela poderia simplesmente não tomar partido e eu entenderia, até assim ela esteve do meu lado.
Incondicionalmente.
Entende?
Ela está comigo, haja o que houver...
Mas aí veio essa doença maldita. E avançou muito rápido, quando percebemos já estava muito grave.
Se ela não operar logo, não terá salvação...
E agora que, pela primeira vez, ela precisa de mim, eu não posso ajudar.
Não sou compatível...
Você imagina o que sinto?
Entende meu desespero?
Olha, se você não é capaz de entender a minha gratidão por ela, coloque-se no meu lugar.
A pessoa que sempre esteve apoiando nos piores momentos da sua vida precisa da sua ajuda. E aí?
Tenho certeza que você faria o possível e, se necessário, o impossível pra conseguir retribuir, para mostrar que ela tem alguém com quem contar incondicionalmente.
Não é só uma questão de gratidão...
Você entende isso, não é?
Eu li sua ficha.
Você é compatível.
Na verdade, de todas as que li, você é a única pessoa compatível.
Mas não podem operar enquanto você ainda está vivo...
Eu sei que é egoísmo da minha parte, e você está em coma há poucos dias.
Mas, caramba, você não tem filhos. Não tem esposa. Não tem nada além de um cachorro.
Um maldito cachorro!
Isabel é tudo pra mim...
E não há outra solução, então desculpe. Mas pra salvar Isabel, eu sou capaz de qualquer coisa...
Não se preocupe, cuidarei do seu cachorro.
Durma bem.
...
..
.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Outra Vez

Outra vez, outra aproximação
outra chance ou outra decepção
Outros encontros, outros motivos
outros choros, outros sorrisos

Outros segredos
Outra realidade
Outros medos
Outra saudade

Outras ilusões, outras surpresas
outras promessas, outras certezas
Outros sonhos, outros desejos
Outros amigos ou outros brinquedos

Outras barreiras
Outro favor
Outras palavras
E o mesmo amor...

O mesmo amor outra vez?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Bela

OBS: Quem preferir ouvir a narração deste micro-conto, basta acessar o link abaixo:
"clique com o botão direito e peça para abrir o link em uma nova janela"
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Noite calma.
Estrelas totalmente visíveis no céu.
Ela olha pela sacada, de costas pra mim, num longo preto e salto alto.
Sensual.
Cheirosa.
Decididamente deslumbrante.
Eu, trazendo as taças e a garrafa de vinho, torço pra ela não lembrar novamente da minha gafe de ter esquecido de comprar o presente de aniversário. Mas acho que ela já me perdoou, depois do jantar que tivemos.
Silêncio em meu apartamento.
Apenas a brisa que vem da sacada e mexe levemente o vestido dela.
Coloco um cd pra tocar. Algo especial; a noite é especial.
Ela percebe o som e, vindo em minha direção, caminha suavemente com um sorriso enigmático no rosto.
Ofereço um pouco de vinho. Ela prefere dançar.
Fico paralisado por eternos segundos, hipnotizado pela sensualidade e graça que ela exala, enquanto dança de olhos fechados.
Ela, finalmente, aqui.
Bela.
Minha.
Me aproximo e colo meu corpo no dela, acompanhando o ritmo que Chet Baker dita para nossa dança.
Ela me abraça e comenta que meu perfume é delicioso.
Sorrio.
Nestes instantes, a vida é perfeita.
E, apesar do que diz o relógio, a noite está apenas começando...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Noites de Verão

A insônia me assola nestas noites de verão
Mas não por causa do calor desta estação
E sim pois falta teu corpo cheiroso me envolvendo
Abraçando com sua pele como se estivesse dizendo:

Fique tranquilo esta noite, bebê.

Dormir assim, te tocando, é sublime
Mais que me acalmar, isto me redime
Me faz esquecer as tristezas e os lamentos
Que assolam minha mente a todo momento

É um bálsamo que envolve o meu ser.

Enquanto não te vejo outra vez
Maltrato estes versos com rimas clichês
Encontrando palavras perdidas no ar
Tentando construir uma forma para falar

Que é maravilhoso estar com você.