quinta-feira, 13 de maio de 2010

O deserto

Sou o deserto.

E neste deserto há uma montanha íngreme e firme, e é preciso saber os caminhos para não se machucar com as pedras no chão quente e sinuoso.

E nesta montanha há uma caverna de mistérios frios onde os pensamentos se amontoam como gotas d'água formando estalactites de sonhos bons e sombrios no teto, e é preciso coragem para entrar, conhecer seus detalhes e saber apreciar.

E nesta caverna há uma tocha com o fogo oscilante, imprevisível, aceso desde o início dos tempos, ora intenso como em um vulcão, ora calmo como em uma vela, mas nunca se apaga, e que conforta e alimenta os instintos ancestrais de sobrevivência e de idéias.

E neste fogo há um leão forte e ágil, pronto para atacar ao mínimo sinal de perigo, encoleirado com correntes de ferro e consciência, estático, obediente, aguardando o comando de seu dono.

E neste leão há um homem maduro e sereno, que maneja o fogo e comanda os instintos do leão, que conhece os caminhos da caverna e do deserto, mas prefere o silêncio de seu isolamento ao convívio desapontador com outros iguais desiguais.

E neste homem há um menino curioso e irresponsável, com a sabedoria da falta de malícia genuína e da ambiguidade juvenil feita de inocência e pequenas maldades em cada um dos passos que dá aprendendo a caminhar sozinho, que se encanta com os detalhes e novidades e confia na existência do lado bom das pessoas.

O menino que precisa de ajuda para renovar a esperança do homem que contém os impulsos do leão que evita se machucar nas chamas do fogo que ainda se mantém aceso iluminando as paredes e sombras da caverna cuja entrada ainda é visível na montanha que se ergue até as nuvens mas que traz em sua base os detalhes mais fascinantes de sua existência neste deserto, que um dia já foi mar.